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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

AINDA HÁ VOZES LÚCIDAS, CRÍTICAS E SERENAS, NO MARANHÃO.

Como seria bom se a carta de Dom Xavier, a seguir transcrita, fosse lida em todos os púlpitos, tribunas, esquinas, praças e demais espaços de formação de uma consciência crítica...
Melhor mensagem de Ano Novo eu não poderia receber. Partilho-a, portanto, com todas e todos que não perderam nem a fé, nem a esperança, nem a lucidez, nem a capacidade de exercer a crítica.

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Viana, Quinta-feira 1 de janeiro de 2009

... já não és escravo, mas filho .... Gal. 4,7 II Leit. Missa de hoje


Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos da Diocese de Viana, Companheiras, companheiros militando nas Pastorais e nos Movimentos do nosso Regional Maranhão,

Celebramos o início de um novo ano com a Solenidade dedicada a Maria de Nazaré, a Santa Mãe de Deus, a Rainha da Paz, modelo das discípulas e dos discípulos do Senhor Jesus, modelo para as testemunhas da justiça e para os construtores de fraternidade. Neste momento de Vida e Graça renovadas, quero lhes roubar um pouco de tempo para oferecer-lhes algumas reflexões sobre recentes acontecimentos, que interpelam e desafiam as nossas comunidades.

1. AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS.

No ano passado, a CNBB, em parceria com o Poder Judiciário, com o Ministério Público e com a OAB, promoveu uma mobilização nacional para fiscalizar a campanha eleitoral e as votações. Também nos municípios do Maranhão, os Comitês 9840, com a participação valiosa de muitos católicos, atuaram com eficiência e eficácia neste precioso e urgente serviço à moralização da política e ao protagonismo democrático da sociedade civil.
Porém, este esforço chocou-se com o aumento exponencial da prática iníqua da compra de votos e do uso da máquina administrativa e do dinheiro público a serviço da campanha eleitoral de muitos candidatos. Temos a impressão que estas eleições foram as mais corruptas destes últimos anos e isto é motivo de grande decepção e preocupação, porque os políticos que praticam ilícitos graves durante a campanha eleitoral acostumam ser administradores inconfiáveis e corruptos.
Mais uma vez, quem sofre é o nosso povo, porque os recursos que deveriam servir para a construção do bem comum e a implementação de políticas públicas, - cada vez mais urgentes frente ao empobrecimento e ao sofrimento da população-, são cínica e diabolicamente desviados para o patrimônio familiar dos administradores.
Com pesar, devemos também apontar que, em muitas Comarcas, Juízes e Promotores não se fizeram presentes no dia das eleições. Acrescentamos mais uma questão constrangedora: em muitos Municípios, até ontem ainda não sabemos quais dos candidatos foram eleitos e temos até caso de dúplice diplomação pelo Poder Judiciário. A incerteza jurídica ou a dependência política do Judiciário evidentemente não favorecem o caminho de democratização da sociedade. Permanece, assim, o desafio de continuar a vigilância sobre as administrações municipais. Permanece o chamado evangélico em defesa da vida que se traduz também na capacidade do povo da cidade e do campo de se organizar e articular para pressionar, cobrar e exigir o respeito de seus direitos através de políticas públicas sérias e eficazes.

2. O GOVERNADOR DO ESTADO E O JULGAMENTO DO TSE.

A preocupação com a missão cidadã da moralização da política nos guiou também durante as primeiras fases do julgamento do nosso Governador Jackson Lago pelo TSE. Apesar de termos consciência das questões históricas e simbólicas que atravessam a dialética entre o Governo e a Oposição, que governou - e freqüentemente desgovernou - o Estado por mais de quarenta anos, devemos defender a tese que toda denuncia que diz respeito à corrupção administrativa e a crimes eleitorais deve seguir o iter processual estabelecido pelas leis vigentes. Encarar estes fatos de uma forma meramente emocional ou cegamente partidária seria desconsiderar a necessidade de manter os princípios da ética e da legalidade republicana como pontos firmes de toda atividade política.

3. A VIOLÊNCIA NO ESTADO.

O ano de 2008 foi também marcado por episódios de violência coletiva que nos alertam sobre a situação de ressentimento e revolta de amplos setores do nosso povo. Os linchamentos, a depredação e o incêndio de prédios públicos – muitas das vezes resultados de inescrupulosa manipulação de políticos - revelam a insatisfação e a descrença popular nas instituições. Não se trata, nestas circunstâncias, de legitimas manifestações populares para reivindicar necessidades e direitos ignorados ou não atendidos pelo poder público; ao contrario, revelam-se como eventos trágicos e inconseqüentes, sem consciência e sem projeto.
A Campanha da Fraternidade da Quaresma 2009 verterá sobre o tema da Segurança Pública. Desde já, acho necessário fazer um apelo para que as nossas comunidades sejam protagonistas de um mutirão em defesa da paz. Possa crescer em nosso meio a consciência de que a abordagem repressiva dos fenômenos criminais não somente é ineficaz, mas agrava as desigualdades e as tensões de uma sociedade que privilegia uma minoria e exclui a maioria da população.
Temos a difícil tarefa de contribuir evangélica e pacificamente para a formação ética e política das nossas comunidades e para canalizar o legitimo ressentimento do povo para objetivos fraternos: a ampliação do leque angusto das práticas democráticas e as lutas para a exigibilidade dos direitos econômicos, sócias, culturais e ambientais.

4. A VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E PRIVADA CONTRA AS COMUNIDADES CAMPONESAS.

Enfim, devo comunicar-lhes informações - que a mídia estadual, a governista como a da oposição, ignora sistematicamente - sobre a gravidade das questões fundiária e agrária no Maranhão.
O ano de 2008 não foi simplesmente mais um ano perdido nos descaminhos da Reforma Agrária; com efeito, se olharmos o número das áreas regularizadas e dos novos assentamentos, descobrimos que a agricultura camponesa e os povos tradicionais foram abandonados pelos Governos ao Deus dará.
Assistimos a um aumento dos conflitos em todo o interior do Estado com a volta da pistolagem e de despejos judiciais executados por Policiais Militares e milícias particulares dos latifundiários. Os dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra revelam números assustadores, que nos lembram a conjuntura dos anos 80. Além disto, em muitas regiões do Estado, as famílias assentadas foram abandonadas pelos Governos Federal e Estadual.
É inevitável a nossa crítica a setores expressivos do Poder Judiciário, que expedem liminares de reintegração de posse e ordens de despejo de duvidosa legalidade e de incontestável ilegitimidade.
É inevitável o nosso apelo à Secretaria de Segurança Pública e ao Governo do Estado para que retomem a prática de consultar o Ministério Público, Sindicatos, Movimentos Sociais e Pastorais, diante da iminência de despejos judiciais.
Não podemos, em fim, não apontar para as responsabilidades e omissões do MDA-INCRA e do ITERMA.
É bom lembrar que todos estes conflitos fazem parte de uma conjuntura caracterizada pela expansão dos monocultivos de grãos, cana-de-açúcar e eucalipto, que agridem e destroem o nosso cerrado, as nossas águas e obrigam milhares de camponeses maranhenses a novos êxodos, para reforçar a massa dos migrantes assalariados em regime de super-exploração e de trabalho análogo ao escravo.
O que acabo de lhes escrever poderia gerar em nós sentimentos de impotência e desânimo, mas nós somos filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs de Jesus de Nazaré, o Ressuscitado, que venceu o medo, o pecado e a morte.
Contemos com a presença do Espírito, animador de toda profecia e Advogado dos pobres de Javé.

Um grande abraço e a minha bênção.
Feliz Ano 2009

Dom Xavier Gilles
Bisbo de Viana
Presidente do Regional Maranhão


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